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terça-feira, 9 de agosto de 2016

O QUE É O PATRIMÔNIO CULTURAL?

Patrimônio Cultural: ampla composição

Edifícios construídos na muralha de Bayonne (França). A torre central (arredondada) é do período romano. As demais edificações tem origem na Idade Média e Idade Moderna.
Quero trazer aqui uma forma simples de tentar entender o que é patrimônio cultural. Sendo bem objetivo, toda a biodiversidade em que o homem está inserido, juntamente com a sua produção paralela a este meio, considerando assim a sua produção econômica, a urbanização, a engenharia, a arquitetura, a organização social e as diversas formas de manifestação das expressões dos indivíduos (teatro, música, artes plásticas, cinema, dentre outras), constitui a noção de patrimônio cultural.

Dentro desta concepção, uma gama infindável de manifestações representa a diversidade cultural de povos espalhados pelo planeta. Tão importante quanto entender o que é o patrimônio cultural é saber reconhecê-lo e, assim, conservá-lo e permitir que as próximas gerações possam dar prosseguimento neste processo. Por que isso deve acontecer? Pelo fato de que o a construção histórica de uma aldeia, assentamento, vilarejo, bairro, cidade ou país é determinante na formação das identidades dos povos. Por mais estruturadas que aparentemente sejam estas identidades, elas não estão isentas da influência de efeitos como a globalização e o neoliberalismo que, segundo Pierre Bourdieu, em artigo publicado no Le Monde Diplomatic, no mês de março de 1998, “tende globalmente a fazer a ruptura entre a economia e as realidades sociais”.


A experiência histórica dos Bascos

A vila construída dentro da muralha em San-Jean-Pier-de-Port (França) é uma das passagens dos peregrinos do caminho de Santiago de Compostela.
Em recente viagem à Europa, tive a oportunidade de conhecer alguns dos territórios que compõem o País Basco, estando este localizado entre a Espanha (comunidades autônomas do País Basco , composto por Bilbau, San Sebastian e Vitoria-Gazteis); Navarra (províncias de Álava e Guipuzcoa) e a França (comunidade autônoma de Iparralde, composta de Basse-Navarre, Labourd e Soule). Conhecidos pela resistência histórica a celtas, romanos, francos, visigodos, muçulmanos, castelhanos e ingleses (não sem agregar aspectos culturais de alguns destes povos), mantiveram certa unidade territorial, além daquele que lhes é considerado o bem maior da sua cultura: seu idioma, o euskara que, embora não tenha parentesco com nenhuma das línguas indo-europeias e seja a língua mais antiga em uso na Europa atualmente, somente teve sua estruturação escrita em meados do século XVI, possibilitando o fortalecimento e a união de seu povo. Apesar dos brutais golpes que sofreu durante os anos do fascismo franquista na Espanha (entre as décadas de 30 e 70, quando se proibia não só sua articulação política como o uso de sua língua), os bascos têm um compromisso irrestrito com a manutenção do seu patrimônio cultural, mesmo sem ter uma unidade territorial física e politicamente autônoma reconhecida.

Em alguns lugares em que estive no território basco francês, as escolas alfabetizam as crianças e seguem sua formação em idioma local. A atividade rural permanece com o cultivo da cereja e da pimenta, além da criação da ovelha. Conservam-se desde sítios arqueológicos de 40 mil anos de idade (Les Grottes de Sare e Grottes de D’Isturitz), passando por torres e muralhas romanas (conservadas para ressaltar o orgulho de ter resistido a eles), muralhas medievais (San Jean-Pier-de-Port) e castelos (Château Abbadia e Château D’Urtubie), jardins renascentistas (La Villa Arnaga, local em que Edmond Rostand, autor de Cyrano de Bergerac construiu a casa dos seus sonhos), trinquets de pelota basca (quadras onde praticam um jogo parecido com o squash, mas que usam as mãos para bater na bola), sem contar uma infinidade de pequenos museus com temas desde a arqueologia local ao chocolate produzido na região.

Em algumas cidades (sobretudo as litorâneas como San Jean-de-Luz e Biarritz), no entanto, a influência do turismo, principalmente de franceses, levou à perda de algumas características bascas (o abandono do idioma é a principal delas) por reproduzirem padrões de atendimento ao visitante baseados nas exigências criadas por Paris. Recentemente, rumores dão conta de que o governo francês deseja construir uma nova linha ferroviária para ligar diretamente Paris a Biarritz. Os bascos reagiram de forma negativa e já se articulam para resistir a esta empreitada, por considerar que um número maior de turistas poderia acelerar os processos de desconfiguração de sua cultura. Em se tratando de resistir para não colocar sua realidade social e identidade em risco de ruptura (forçada pelo afã da economia via turismo ditada por Paris, cidade mais visitada do mundo), os bascos têm uma grande experiência. Torçamos por eles!

Postagem original para o site Cult Cultura, em 19/06/2013.

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